quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Relembrando campanha....

Poesias

Independência do Brasil
 
no Brasil,
meio dia.
dia de independência.
desfilamos
a troco de nada
nas ruas vazias...
vazias e cheias
de hipocrisia.
o samba,
nasce por aqui,

da irreverencia desse povo
de sorriso novo
e velhos ritos.
os velhos riem
do alto
em palanques
distantes,
candidatando-se
ao cargo
do ano.
quatro anos.
por tanto,
a troco de nada,
os elegemos
para seus carros
blindados
pela legitimidade
democrática.
na verdade,
se é que ainda
existe verdade,
enganamo-nos
de quatro
em quatro
anos.
e mansos,
calados,
legitimamos
a cada cerimônia,
o quão somos
cegos,
surdos e mudos,
ainda que
ouçamos, cantamos
e testemunhamos
todos os anos
o dia
da independência,
tão proclamada,
ainda que não
sentida,
vivida.
afinal,
quanto tempo
durará,
tão dolorosa
dúvida.
Permitam-me,
mas,
enquanto
o povo,
de fato
não gritar juntos
seu grito de independência,
morreremos assim,
expatriados
em nossa própria terra,
calados
em nosso próprio grito,
fuzilados
com nossos próprios fuzis.
diga-me homens,
até quado durará...?
meio dia e meia...
dia de independência.
Maria Mecanizada



A morte,
Essa sensação violenta,
Que nem sei lá se é sensação
Ou Dessensação,
Ainda assim violenta,
Reparte as feridas contidas
E esmigalham os corações
Dos sobreviventes,
Ainda que numa semana,
Numa década,
Ou em um século
Os mesmos se curem,
A grande morte dos humanos
É certa,
Ainda que chegue inesperadamente,
Assim como a vida,
Ela não é infinita...
Poupe-me os padres
E a Roma Contemporânea
Com suas histórias sobre o céu.
Afinal, a morte certa,
Certeza de quem vive.
Não despreza,
Não acusa,
E nunca deixa de vir.
Só não podemos fazer da morte
Uma arma dos vivos
Afinal,
Já não temos muito tempo,
A vida é corrida longa
E não adianta correr mais rápido
Ou lentamente,
A hora da chegada
É mais que certa
É imprevisível
E desconhecida.
“quem souber um caminho,
De rocha,
Me aponte”.

Maria Mecanizada


Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Ah! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas... Aí vai! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a Eternidade.
Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não astava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro - o mesmo tendo acontecido a sir Isaac Newton! Excusez du peu... Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! sou é caladão, introspectivo. Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros?
Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante cinco anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Érico Veríssimo - que bem sabem (ou souberam) o que é a luta amorosa com as palavras.

Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso...


Mário Quintana



BRASI CABOCO


O qui é Brasí Caboco?
É um Brasi diferente
do Brasí das capitá.
É um Brasi brasilêro,
sem mistura de instrangero,
um Brasi nacioná!


É o Brasi qui não veste
liforme de gazimira,
camisa de peito duro,
com butuadura de ouro...
Brasi caboco só veste,
camisa grossa de lista,
carça de brim da “polista”
gibão e chapéu de coro!


Brasi caboco num come
assentado nos banquete,
misturado cum os home
de casaca e anelão...
Brasi caboco só come
o bode seco, o feijão,
e as veiz uma panelada,
um pirão de carne verde,
nos dias da inleição
quando vai servi de iscada
prus home de posição.


Brasi caboco num sabe
falá ingrês nem francês,
munto meno o português
qui os outros fala imprestado...
Brasi caboco num inscreve;
munto má assina o nome
pra votar pru mode os home
Sê gunverno e diputado


Mas porém. Brasi caboco,
é um Brasi brasileiro,
sem mistura de instrangero
Um Brasi nacioná!


É o Brasi sertanejo
dos coco, das imbolada,
dos samba, dos vialejo,
zabumba e caracaxá!


É o Brasi das vaquejada,
do aboio dos vaquero,
do arranco das boiada
nos fechado ou tabulero!


É o Brasi das caboca
qui tem os óio feiticero,
qui tem a boca incarnada,
como fruta de cardoro
quando ela nasce alejada!


É o Brasi das promessa
nas noite de São João!
dos carro de boi cantano
pela boca dos cocão.


É o Brasi das caboca
qui cum sabença gunverna,
vinte e cinco pá-de-birro
cum a munfada entre as perna!


Brasi das briga de galo!
do jogo de “sôco-tôco”!
É o Brasi dos caboco
amansadô de cavalo!
É o Brasi dos cantadô,
desses caboco afamado,
qui nos verso improvisado,
sirrindo, cantáro o amô;
cantando choraro as mágua:
Brasi de Pelino Guedes,
de Inácio da Catingueira,
de Umbelino do Texera
e Romano de Mãe-d’água!


É o Brasi das caboca,
qui de noite se dibruça,
machucando o peito virge
no batente das jinela...
Vendo, os caboco pachola
qui geme, chora e soluça
nas cordas de uma viola,
ruendo paxão pru ela!


É esse o Brasi caboco.
Um Brasi bem brasilero,
sem mistura de instrangêro
Um Brasía nacioná!


Brasi, qui foi, eu tô certo
argum dia discuberto,
pru Pêdo Arves Cabrá

Zé da Luz




Minha tristeza é tola,
quanto mais dói, mais é tola...
Sou timidamente triste.
Porque a alegria,
ah, essa voa!
E só de brincadeira e bicicleta,
eu sei voar...

Dani Lisboa


MARÉ

Oro,
E até mesmo choro.
Não um choro roco de se temer
Não lágrimas de sangue
De quem não sabe perder.
Lágrimas doces, apesar de salgadas,
De quem soube ganhar.
Memórias sóbrias
Às vezes até mesmo ébrias
De quem lhe tomou a amar.

Parte,
E leva contigo essa parte que não fica
Essa arte que transpões,
Todo esse clarão que lhe segue

E fica!
Por onde teus pés andaram...
Onde gargalham os anjos de saudades,
E fica...
Onde suas palavras ecoaram.

Vai!
Vai ver se tua casa é bonita,
Se há rosas, janelas e tulipas!
Se há doces, amigos e andorinhas...

E deixa...
Deixa que o amor da gente
Invada-lhe quando puder
Que esse choro raro,
Essa prece à claro
Vá guiar-lhe onde estiver...
Pois saudade é grande...
Mas o caminho é a maré!

Maria Mecanizada
(Para o Caio)



METADE


Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio

Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.

Piaf


Há uma eminência, uma embriaguez que incomoda e nos comove outrora, em Piaf. É sólido de estruturas e fotografias que nos remete uma respiração constante, propícia das produções francesas. É claro, que a figura da Edith, uma mulher defronte de seu tempo, à frente de sua história, nos conta o quanto é preciso imunizar-se, enquanto ser, logo, apropria-se do perigo que é viver. Portanto, o filme identifica essa imagem, enquadra, edita, e nos conduz, não a uma simples biografia cinematográfica, e sim, a um longa-metragem contraditório, com fotografias que identificam seus artistas, desde a direção, até seus coprodutores. É feliz, na arte de encinemar, e muito mais feliz na arte de tornar a emoção e a razão tão próximas. Pena que não podem se unificar!

Imagens...












Você tem fome de quê? Ensaio Gastronômico social em dois atos

Por Marcelo Benigno*


Quando era pequeno, o que mais me estimulava a ir para a escola era a culinária de minha mãe. Ao sair do colégio, quase ao meio dia, com a barriga roncando, eu ficava imaginado que prato ela iria preparar para o almoço. Cada dia era uma surpresa diferente: cortado de abóbora com quiabo, arroz com açafrão, feijão verde temperado com coentro e cominho, salada de alface fresquinha, colhida ali na hora... Hum!
Não éramos ricos e nossa comida era simples, porém feita com muito amor e respeito, ingredientes fundamentais a qualquer refeição e atividade na vida, além, é claro, do carinho, segredos, temperos e alquimia da minha mãe, que condicionavam o sabor e a alegria de cada refeição.
Hoje, moro numa das Residências Universitárias da UFBA, em Salvador. Meus vizinhos mais próximos são seis ratazanas noturnas e várias baratas ninjas voadoras, que insistem em freqüentar meu quarto, mesmo após o velório de duas de suas amigas, ontem à noite, perto da minha cama.
Aqui, a comida não é motivo para estímulo, muito pelo contrário.
Estou com uma enxaqueca horrível devido ao jantar de hoje que “não bateu legal.”
De um tempo para cá, a qualidade total, como dizem por aí, caiu vertiginosamente aqui na residência. Recentemente, o Restaurante Universitário, sediado aqui na Residência Um (R1), no Corredor da Vitória, em Salvador, foi fechado para reparos, devido aos estragos das chuvas.
Desde então, as refeições são feitas em cada residência, (que são três), proporcionando uma desorganização total, para residentes e funcionários.
E ninguém reclama do feijão cru do almoço ou da carne “verde” servida nesta semana! Num país onde uma maioria passa fome questionar a alimentação é algo intolerável, quase uma blasfêmia! E olha que somos cobertos por vários profissionais especializados que garantem a qualidade, cardápio e seleção da nossa alimentação fresquinha e nutritiva, diariamente!
Sem mencionar que somos constantemente cobrados por nossos rendimentos acadêmicos com uma alimentação que não nos estimula ou nutre suficientemente. Não vou entrar no mérito dessa questão, pois alimentação sadia e bem feita, (observe que não estou falando alimentação cara, sofisticada ou coisa parecida) é fundamental para o funcionamento e desenvolvimento das atividades físicas e mentais de cada um.
Muitos dos residentes, assim como eu, estudam o dia inteiro, num corre-corre diário. Alguns, devido às matérias obrigatórias de seus cursos, têm atividades físicas “puxadas”, que exigem pré-disposição e resistência, mas como?!
Não sou desses que questionam por nada ou por causas obsoletas!
O problema é que se ninguém reclama, é porque não está incomodando!
Correto?!
Onde estão os futuros sociólogos, psicólogos, médicos, nutricionistas, pedagogos, advogados, artistas e afins dessa casa?!
Por que ninguém deixa de comer a sopa mal feita, que parece mais uma lavagem para porcos?! Será que eu que sou fresco demais ou ninguém percebe isso?!
Aliás, parece que os residentes têm se tornado animais irracionais, que só agem por instinto, pois ao invés de lutar por uma causa de todos, já que vivemos e dividimos um espaço coletivo, preferem, às 9 horas da noite, lanchar no Mc Donald´s ou pagar por uma coxinha gordurosa e sadia ao rapaz do lanche, que religiosamente, passa na rua oferecendo seus serviços aos residentes famintos que se digladiam, por um salgado ou fritura, garantindo uma noite de sono tranqüilo, livre de pesadelos ou da insônia causados pela fome mal saciada do café – jantar, servido as 5:30h da tarde, na casa.
E assim vai se levando a vida na casa e na capital da alegria, entre uma alimentação de qualidade e sabor questionáveis, aos ratos e baratas constantes, que lembram metaforicamente a nossa situação decadente, às discussões sem propósitos e temperamentais, regradas pelo machismo típico de uma casa povoada exclusivamente, por homens-universitários, que certamente, contribuirão para a formação de nossa sociedade atual com todos seus genomas, estereótipos e dominações mais conhecidos e insistentes.

MAS AFINAL, DE QUEM É A CULPA NESSA HISTÓRIA?

Dos Funcionários da casa? Dos Residentes? Da Superintendência Estudantil ou da UFBA?! (...)
E se não existissem as residências universitárias, quantas pessoas seriam prejudicadas?! Quantos empregos não existiriam?! Quanto de verba seria gasta com outros projetos mais importantes para a UFBA?! Somos os únicos a passar por problemas desse tipo?!
O que está acontecendo, Magnífico Reitor?
A UFBA não se importa se comemos bem ou mal. Para ela, o importante são os números, os atendimentos que ela faz há tantos estudantes carentes que precisam estudar na capital.
Eu sempre fui um dos primeiros a assumir que sou um Residente Universitário, carente, pobre, caipira, filho de lavradores do interior da Bahia, mas com todo orgulho, dignidade e fé na minha cultura e história.
Nunca passei fome ou necessidade na vida!
Já venci a seca, a politicagem do interior, a falta de emprego, as más administrações públicas, mas nunca passei por uma situação como esta!

O que fizeram com a nossa dignidade, meu Deus?
Não estamos cuspindo no prato que comemos, mas exigindo respeito e dignidade para todos!
Falar de fora é fácil.Vem aqui e sinta na pele esta sensação!
Convivemos nessa casa, entre estudantes e funcionários boa parte da nossa graduação e parece que somos todos estranhos, fechados nos nossos mundinhos patéticos e egoístas.
Se não lutarmos por uma residência digna, estaremos sendo cúmplices de um processo de acomodação típico do povo brasileiro, intrínseco da mais comum forma de dominação, aquela que aliena psicologicamente e burocraticamente a todos.

Colegas, sejam os atores sociais do seu tempo! Não assistam a vida passar diante de vocês ou pela televisão! Assumam os palcos da vida!
Vivemos numa democracia e a opinião é pública, graças a Deus!!
É inquestionável o valor e a importância da Residência Universitária para a comunidade e para nós, que pessoalmente, usufruímos dela.
Mas uma coisa não tira o valor da outra! Esta residência já foi uma casa acolhedora, mas hoje está abandonada, e cada vez mais vai chegando gente, que vê, olha, senta, come, dorme, defeca, se acostuma, se acomoda e ainda consegue sorrir!
É a alegria típica de uma Bahia subdesenvolvida, de um Brasil Brasileiro turístico e comercial!
Relaxa, senão não encaixa!
Minha Cidade é linda demais!

Tenho fome de tudo!
Cultura, arte, lazer, dignidade, alimento...
Tenho saudade mesmo é da comida de minha mãe, da minha família, da minha alegria, do meu emprego, que não posso ter aqui, estudando em dois turnos, da minha cidadania perdida na capital...

E quanto a vocês, amigos residentes, continuarão como porcos comendo sua lavagem cerebral costumeira? Já se acostumaram com os ratos e baratas insistentes?!
Eu vou dormir, pois o único ovo cozido, que comi no jantar, e que não me fez bem, insiste em ficar no meu estômago mesmo vomitando–o pela terceira vez.
Mas ele vai sair!
Até os porcos vomitam, porque eu não?!
Amanhã será um novo dia!
O segundo ato poderá ser feito por vocês!
Boa digestão a todos!
Por hoje é só, pessoal!

Salvador, 13 de abril de 2005, às 11:30 da noite.

* Marcelo Benigno é ator, arte-educador, diretor teatral, graduando em Artes Cênicas- Licenciatura, pela UFBA, Residente Universitário da R1, no Corredor da Vitória, em Salvador.
marcelobenigno@hotmail.com
Escreva, dê sua opinião!


Uma nota ao óbvio destino do guerreiro da arte.

Como pode se vê, continuo aqui em Salvador.
Apesar do cansaço e corre-corre diário, uma angústia recheada de raiva e revolta toma conta de mim diante do que tem ocorrido com esta vida dúbia que levo aí em Conquista, principalmente, se tratando das pessoas que “conheço”, de um pacto de “lealdade” travado, de uma visão equivocada da arte, de um mundo “pão com ovo” que algumas sempre terão e acostumaram com ele. Mas isso não vem ao caso.
Qual será o papel da arte e sonho na vida de cada um de vocês? Até que ponto o teatro pôde mudá-los, conscientizá-los ou melhorá-los para viver nesse mundo merda o qual engolimos todos os dias diante do Big Brother Brasil ou coisa parecida? Até que ponto, estamos só reproduzindo o que querem por nós? Até que ponto, sei o que estou fazendo com a minha vida e o que quero dela? Até que ponto, sou hipócrita, cruel, mesquinho e preguiçoso quando só vejo essas preciosidades em outrem?

Cada vez mais fico decepcionado com a atitude de alguns membros do grupo. Percebo que acabo “viajando” sozinho nesta história de teatro, criar um espaço para a descoberta dos valores, blá, blá, blá e questionar, interminavelmente, esta realidade equivocada que vivemos, patati, patatá, com um campo de trabalho artístico limitado e destinado àqueles que assumem o que querem e são.
Teatro é algo muito sério que talvez a maturidade de alguns ainda não absorva. Mas o que fazer, haverá sempre frutos pecos no meio da colheita...

Pra mim, o teatro continua me ensinando na marra, com cargas fortes, além da minha resistência. É um misto de dor e prazer que me transforma num guerreiro da arte, aquele do texto que recebe uma espada aos 10 anos de idade e insiste em levantá-la, apesar dos ferimentos que ela causa. Saber lidar com os nossos problemas, nossa dores, sinas e sofrimentos faz de cada um vencedor, enquanto deixar que eles nos absorvam e dominem as rédeas das nossas vidas, torna-nos perdedores e covardes.
Nunca serei acomodado. O meu sangue ferve e a vida me chama com seus olhos de fogo.
A luta me espera e como guerreiro que sou, não posso fugir ao que fui predestinado.
Porém, não quero ser um mártir de uma causa fracassada e de poucos.
Não quero alimentar quimeras perdidas ou ilusórias.
Tenho que rever as minhas prioridades, valores e metas.

Não suporto mais esta situação que nunca se define, pareço uma peteca que vai para onde querem. Não quero ser melodramático ou coisa parecida, serei prático e racional.
O que posso fazer o tenho feito.
E você, o que poderia ter feito?

Fiquei preso aqui semana passada por incompetência e falta de trabalho de grupo.
Não sou rico e tampouco sócio da Telemar. Não tenho dinheiro, pois a UESB não tem me pago e não tenho outro emprego, pois decidi estudar.
Mas um pouco de consideração o grupo poderia ter tido, afinal, vocês se diziam amigos de todos, leais a vocês mesmos e ao ideal teatral, bufa, peido e merda.
Reconhecimento, não exijo, tenho exemplos recentes de ingratidão e punhaladas pelas costas de Brutus audazes e oportunistas. Afinal, estamos falando com artistas que cada vez mais mostram seu crescimento e valor($) para a cultura conquistense, cultura esta, repleta de profissionais das artes altamente preparados e capacitados pelos grandes e inúmeros cursos e oficinas que nossa cidade dispõem. E talvez nem os atores da Commedia dell”arte tinham tantas exigências nos seus contratos trabalhistas de prostitutos da arte, bobos da corte, Judas, Creontes, Medéias ou qualquer coisa parecida.

Acredito muito na lei de causa e efeito que rege a natureza dos fatos e ações. Qualquer pessoa mística crer na energia positiva de retorno e sustentação, ou no prana que respiramos, e da sina que escrevemos no acaso do destino. Acredito em trabalho conjunto. Acredito muito em mim e no meu potencial, por isso que estou aqui.

Se vocês se mobilizarem e mandarem a passagem eu irei para termos uma conversa definitiva, pois detesto perder meu tempo com coisas vãs e injustificáveis.
Quando eu puxo a corda, puxo de vez... Sempre disse.

De qualquer forma se organizem e divulguem a audição nos colégios que será nos dias 29,30 e 31 deste mês.
Vão sem panfletos, sem papel, sem nada. Artista de verdade não depende de nada ou ninguém. Ou se nasce ou se cria quando não, aborta, ilude-se ou estanca. Faça isto por vocês. Aproveite bastante este trabalho. Exerçam seu ofício!
Um novo grupo virá, novos rostos e corpos aparecerão, a arte nunca vai parar e como a vida, o teatro e o show nunca acabam apenas muda de cenário, figurino e cavalos.
A colheita far-se-á nova!
Uma nova era se aproxima.

MB



“Se não houve frutos, valeu a intenção da semente”.
“Tudo na vida passa, só não, motorista e passageiro.”
“Pau que nasce torto nunca se endireita.”.
“Quando o rato sai de casa, o gato toma conta.” “A vida é feita de escolhas, aceite ou foda-se!”.
“Não me macem, eu quero ficar sozinho.” “Quem tem unha maior, que suba na parede.”.
“Aqueles que são mornos, nem frios e nem quentes, serão vomitados pela boca de Deus.”
“Se a sua estrela não brilha não procure apagar a minha.”
“Que amigos tenho tido, que vazias de tudo as cidades que tenho percorrido. Renego, renego tudo.”
“Mas vale um pássaro na mão que dois voando.” “O Sol nasce para todos.” Amém, assim seja.



Salvador, 12 de março de 2002, às 12:54 da noite, terça-feira, calor insuportável que ferve como o que penso... dispenso... esclareço... mereço... reconheço... preço... começo!

100 Conquistas, Sem Vitórias para a Arte Conquistense! CLAP! CLAP! CLAP!

Mais uma flor colhida no jardim da cidade das rosas. Jardim este que acaba perdendo sua fertilidade com tantas flores colhidas ao longo de 162 anos de existência. Aliás, as últimas flores são de plástico, colhidas por mera formalidade sagaz dos seus filhos mais ilustres, conhecidos ou desconhecidos.
Gostaria de ter muitos motivos para aplaudir de viva voz, a nossa cidade catingueira, mas existem tantos tropeços nesse percurso que não valem exaltações de contentamento.
Analisemos, pois, a arte conquistense nos últimos anos. O que ocorreu de marcante? Que grupos ou artistas têm resistido com dignidade, sem a devida atenção e apoio do poder público ou empresariado local?
De certa maneira a cidade mudou, conseguiu algumas conquistas noutros setores que nem precisamos mencionar, pois os outdoors já o fizeram. E nem adianta “tapar o sol com a peneira” ou tentar fingir que não se tem “culpa no cartório”, no cenário artístico cultural da cidade. Seria mais digno e verdadeiro colocar a “carapuça” e assumir a culpa de não ter feito nada para difundir e desmistificar a arte para a população, que tão carente de arte verdadeira, freqüenta e lota shows de pagode ou similares como única opção de lazer na cidade.
Onde estão os artistas da cidade? Observe se algum consegue projetar seu trabalho estendendo à comunidade, fazendo-a ver que arte não é mera catarse e sim a possibilidade de reflexão e mudança? Quem realmente faz um trabalho sério ou comprometido com a verdade? E quem consegue sobreviver sem apoio algum?
Parabéns para os políticos que continuam com a demagogia costumeira e com o sorriso mais amarelo possível. E quando o artista se mostra, dizendo ou questionando a realidade é vetado nos projetos que ainda são promovidos na cidade. È a velha retaliação política tão suja e tão antiga para um governo tão decente. Fiquem sabendo que a opinião pública é livre e ninguém vai calar minha voz. O que falta nesta cidade? (...)
Dou até meus punhos para colocarem as algemas da hipocrisia e desrespeito com que tratam os artistas na cidade das rosas.
Aliás, o artista é mero objeto de decoração de festas, não faz nada da vida, a não ser remexer a bunda freneticamente, cantar umas musiquinhas populares ou declamar uns textinhos para alegrar a corte e o povo que anseia por PÃO E CIRCO como na Roma Imperial. Que progresso, hein?!
E o bolo com quem fica? Com quem tem o poder de fazer algo e não faz. Com o empresariado que pouco aparece ou incentiva atitudes artísticas locais. Com os políticos que juram ser os representantes do povo e continuam não fazendo nada pela arte conquistense. E fica também com a população que, apática, não critica e nem busca seus direitos, acostumando-se com esta lavagem cerebral de possibilidades e mudanças que nunca chegam, onde para a arte pouco se fez ou nada se faz.
Enquanto isso, aqueles que não vendem a sua conduta estão batalhando, estudando para levar uma arte transformadora a quem precisa, mesmo sem apoio de outrem.
Um exemplo disso é o projeto ASSIM SE IMPROVISA promovido por artistas sérios que trabalham em prol de uma arte que não é comercial, mercenária ou panfletária. Esse projeto
(feito sem apoio algum!) acontece todos os sábados no ANEXO II, uma salinha “apertada” do Centro de Cultura, na qual neste último dia 09 (em pleno feriado de aniversário) teve um público de oitenta pessoas.

Parabéns, Conquista!
Só me resta agora um brinde!
O bolo está partido. A quem for merecido, sirva-se!
Desse aniversário só quero uma coisa: RESPEITO.


Marcelo Benigno é ator, diretor, graduando em Artes Cênicas pela UFBA e professor de teatro da Fundação Cidade Mãe, em Salvador.

Água mole em pedra dura... é a última que morre?! Novo Governo, novos olhares e nova cultura para a Bahia.

Diz o ditado popular que “Quem espera sempre alcança”, mas prefiro dizer que quem espera demais, às vezes cansa, desilude, enfraquece e até morre, principalmente se a questão for a cultura em nosso país, sobretudo, no interior baiano.
Mas se “Água mole em pedra dura tanto bate, até que fura” o ano de 2007 promete ser de transformação cultural na Bahia, aja vista a proposta do novo Governo de Jaques Wagner no Estado, onde a palavra Regionalização Cultural vem seguida de valorização do artista local e popular.
Tivemos, entre dias 18 e 19 do mês de janeiro, a ilustre visita de dois representantes da Secretaria de Cultura do Estado, em nossa cidade, o Professor Hirton Fernandes e o Superintendente Paulo Henrique, ambos, com propostas esclarecedoras a respeito da nova política cultural para a Bahia.
À princípio, matuto como sou, fiquei só observando, desconfiado, pois cansado de guerra e de tantas promessas que nunca se realizam, este artista popular está devoto fervoroso de São Tomé, embora nunca perca a esperança no seu povo, na sua cultura e arte.
Nas duas reuniões, a primeira realizada no Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima e a outra na Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura, estiveram presentes representantes dos principais segmentos artísticos de Conquista, da Prefeitura e da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB, entre outras instituições culturais conquistenses.
Durante as reuniões foi unânime, nas falas dos representantes de Salvador, a questão que o Governo do Estado pretende valorizar o artista local e transformar os Centros de Cultura, outrora administrados pela Fundação Cultural do Estado, e espalhados pelo interior, em pólos aglutinadores e incentivadores da cultura local, tornando-os centros de transformação para a sua cidade e cidades circunvizinhas.
A idéia é fabulosa e temos trabalhado por ela desde então.
Mas para que isso aconteça deverá haver em toda a Bahia uma revitalização e crença nos artistas interioranos, que há décadas, são desvalorizados e inferiorizados frente aos artistas e projetos das capitais.
Como não tenho memória curta, fizemos várias destas reuniões em gestões políticas anteriores e nada se conseguiu ou muito pouco.
Em 2005, por exemplo, escrevemos através do MOVAI- Movimento de Valorização do Artista do Interior um Documento durante o Projeto Teatro de Cabo a Rabo que acontecia nas dependências do Teatro Vila Velha, em Salvador, sob a coordenação de Márcio Meireles, hoje Secretário de Cultura do Estado.
Na presença de todos os participantes li um artigo que publiquei, questionando mais ações culturais para o interior e, sobretudo, exigindo respeito e projetos para nós. Na época, a própria Funceb abria seu edital de auxílio a montagens de teatro e dança e os valores para o interior e capital representavam a sua visão sobre o artista do interior, sendo que para o artista da capital o Prêmio era de 48 mil e para o interior 6 mil. Ano passado o Prêmio para a capital foi de 60 mil e para o interior de 8 mil. Dá para acreditar?!
O texto ressoou em uníssono entre todos os artistas interioranos participantes do Teatro de Cabo a Rabo e o transformamos em documento, ao qual foi encaminhado para a Funceb e que relembro algumas destas ações agora:

 Criação de Centros Culturais equipados ou revitalização dos já existentes, em cada cidade, para a utilização dos artistas locais;

 Criação de um Censo Cultural que registre os artistas que estão trabalhando efetivamente em cada região;

 Criação de uma rede de intercâmbio entre os artistas do interior com o próprio interior e com os artistas da capital;

 Criação nos Centros de Cultura, mantidos pela FUNCEB no interior do Estado, de espaços e Projetos de trabalho para os artistas locais, inclusive, menores taxas nas pautas de aluguel das salas e dos próprios teatros para a classe artística local;

 Priorizar no Calendário e Programação dos Centros de Cultura de cada cidade atividades culturais e artísticas, ao invés de eventos de outras naturezas, que acabam por descaracterizar o propósito dos Centros de Cultura em cada cidade;

 Participação dos artistas locais na indicação dos Coordenadores dos Centros de Cultura nas suas Cidades, evitando indicações políticas e fora da área de atuação cultural e artística de cada município;

 Valorizar os artistas interioranos através de um atendimento digno nos Centros de Cultura locais, nos Projetos da FUNCEB, evitando comparações arbitrárias, desiguais e preconceituosas;

 Inclusão dos artistas do interior em editais que visem o incentivo à produção artística do interior;

O documento não pára por ai e está repleto de ações que precisamos!
Entretanto, para que tudo isso saia do papel vai depender da participação dos artistas locais que são os reais responsáveis pela movimentação cultural em suas cidades.

Transformar os Centros de Cultura em espaços aglutinadores e fomentadores da cultura exigirá investimentos e uma coordenação local forte, ligada à classe artística local, não sendo uma indicação política como acontecia no governo anterior.

Nas reuniões em Conquista, os representantes do Governo do Estado foram enfáticos ao afirmarem que o Governo valorizará o artista local e que o cargo do Coordenador do Centro de Cultura não será uma indicação política.
Esperamos que erros cometidos por ouras gestões sejam esquecidos e enterrados e que finalmente dêem ouvidos a quem faz a cultura e arte em cada cidade do interior.
Imagine como é em todas as cidades que possuem Centros de Cultura com coordenadores equivocados e/ou indicados por mero acordo partidário?
Falo assim, pois em dois anos percorri os Centros de Cultura do Interior e a mesma história se repete, seja em Conquista, Valença, Alagoinha, Jequié, ou nas outras cidades com Centros de Cultura em todo o Estado.

Estamos entusiasmados, com esperança de renovação, mas sem tapar o sol com a peneira, com os olhos bem abertos para que o artista local tenha vez e voz, seja realmente valorizado como merece e que os créditos e suor derramados pela cultura regional sejam enfim reconhecidos, não creditados a outrem ou representados por nomeações políticas.
Chega de apropriações indevidas da nossa cultura e arte por estrangeiros ou falsos representantes que só querem levar o mérito das nossas causas e valores, de uma falsa política cultural que nunca funciona! “Quanto vale ou é por quilo?” Salve, Salve Sérgio Bianchi!!
Queremos investimentos, trabalho e parcerias para continuar com o nosso ofício, contribuindo com a nossa comunidade. A nossa peleja já dura muito tempo, todos conhecem nossos problemas e até as soluções, e nós, sabemos do que precisamos!!
Enquanto esse dia não chega e o sol não esfria, continuamos na labuta por dias melhores, por uma cultura e arte transformadoras e destinadas a todos (as)!
“O boi é quem sobe, o carro é que geme.”
Avante, novo dia! Até o Seminário de Cultura em março.


Marcelo Benigno é ator, arte educador, diretor do Grupo Caçuá de Teatro em Vitória da Conquista, licenciando em Teatro pela Ufba, membro do Conselho Fiscal do SATED-BA, catingueiro arretado e guerreiro pela arte no interior baiano.
marcelobenigno@hotmail.com

Amnésias temporárias, esquecimentos eternos e o sorriso de despedida do clown antigo.

Mês passado, quando viajava de Conquista para Salvador, deixei meu celular no ônibus da empresa que embarquei. Amnésia ou esquecimento?!

Foi um sufoco recuperá-lo, mas tinha a certeza de tê-lo deixado no banco do ônibus em que viajei. Ainda na rodoviária, liguei para a garagem da empresa e, com dois demorados dias, fui pega-lo. A busca pelo celular me trouxe algumas reflexões que gostaria de compartilhar com vocês.
Para começar, a garagem da empresa ficava perto da Estação Pirajá, próximo ao subúrbio rodoviário, numa região bem afastada do centro de Salvador. Pela janela do ônibus, podia se notar tantos quadros das realidades do Brasil Tropical diante de tanta pobreza, acomodação e do descaso evidentes com o ser humano, principalmente baianos, nortistas e brasileiros.
Recuperado o celular, a viagem de volta pra casa foi mais longa. Do alto, avistava-se toda a orla soteropolitana e, bem perto dos meus olhos, os Alagados, com suas famosas palafitas.
Via-se ainda crianças jogadas naquelas casas submersas, muitos jovens acomodados e já criando seus filhos, inúmeros adultos e idosos morrendo de sonhos e fome.
Não, este não é um texto feito para nenhuma campanha política ou publicitária, pode até soar falso, mas trata-se de uma tentativa de reflexão sobre a abrangência da arte (questionadora e crítica) para a população.

Será que a nossa arte atinge essas pessoas? Estamos comprometidos com uma arte de transformação ou de reprodução? Até que ponto eu, como artista, modifico a minha realidade através da minha arte?! Que arte é essa que serve só pra divertir?!

Voltei pra casa com todas aquelas imagens e idéias na cabeça pensando em contribuir mais com essas pessoas. Sinto um pouco realizado por desenvolver e possibilitar o acesso a um teatro questionador a jovens da periferia da minha cidade, através do Projeto Arte para a Comunidade, do Centro de Cultura. Ano passado, tive a oportunidade de trabalhar diretamente com jovens e crianças da periferia de Salvador, na Fundação Cidade Mãe. Ministrava aulas de teatro no Bairro da Paz, um dos bairros mais violentos e pobres da capital baiana. Nessa troca de afetividade, auto estima e questionamentos pude aprender muito mais que ensinar e perceber que a vida real não é uma encenação, exige-se pressa, toque, olho no olho, energia e verdade!

Como artista, tive toda uma formação ligada diretamente ao povo pobre e sofrido da caatinga, uma gente batalhadora, alegre e decente. Trabalhei quase 10 anos com as CEB´S - Comunidades Eclesiais de Base, ligadas à Igreja Católica, na zona rural de Conquista.
Nossas reflexões, naquela época, eram para transformar a nossa realidade através do teatro, da evangelização e da solidariedade. Foram muitos trabalhos em prol de uma causa missionária, e vale a pena lembrar, sem nenhum tipo de remuneração ou pagamento por isso.

Hoje em dia, alguns artistas pensam primeiro no tamanho do cachê, depois na contrapartida social, como se diz nos projetos destinados a Fundação Cultural ou a empresas de captação de recursos. Afinal, a arte virou comércio, sobrevivência, ideal, ou passatempo?!
O que não suporto é o falso compromisso de pessoas, empresas, políticos e artistas que afirmam amor e devoção às causas dos pobres e necessitados. Onde estão os projetos para um teatro transformador, de acesso a todos? E os investimentos destinados a ele?
Posso falar em bom tom e sem falsa modéstia que experiências como as das Ceb´s, e outros trabalhos que desenvolvi e ainda desenvolvo, me deixam com a sensação de orgulho e dever cumprido como artista (catingueiro) comprometido com a arte.
Mas a muito ainda por fazer e não depende só da iniciativa de artistas conscientes.
Lembro que, uma vez, algumas pessoas de Conquista, quando souberam que eu vinha do teatro de grupo, de igreja, ligado à zona rural, rabeavam os olhos e questionavam ao colega urbano, do lado: “O que esse menino do Guigó quer aqui no meio de nós?!” “Onde já se viu, teatro na roça?!” “Gente, eu pensava que o povo do Guigó só sabia plantar?!!”

Mas aquele menino do Guigó, região rural de Conquista, ou melhor, o distrito de José Gonçalves, cresceu e hoje o seu projeto de mestrado falará justamente do teatro popular, suas variações e resistência na região sudoeste da Bahia e também, da importância de ações de artistas comprometidos com a sua região e seus valores. Amnésia ou esquecimento?

Quero também mencionar nesse ensaio sobre a amnésia, mal que aflige a muitos conterrâneos meus, que o esquecimento é algo cruel e triste.
Triste como a morte do artista Charles Cerdeira, conhecido palhaço de Conquista que, numa hora qualquer saiu de cena sem nos avisar. Sua despedida repentina deixou todos com questionamentos sobre esse ofício-sacerdócio de ser artista nessa cidade-estado-país de valores tão desconexos em relação à arte e os seus profissionais.
Será que uma vida inteira de sacrifícios vale uma morte tão triste?

Hoje, tento lembrar de tudo o que fiz na vida, para depois não correr o risco de tentar esquecer o que não quero lembrar.
Quero lembrar, por exemplo, de tantas pessoas que passaram pelo meu teatro, que se encontraram na vida e hoje lutam pelo seu espaço, quero lembrar dos meus alunos, amigos, jovens, crianças e idosos que um dia, cantaram comigo na mesma roda da vida, quero lembrar não dos cachês que ganhei, mas do suor e sangue derramados por conquistas pessoais e coletivas, quero lembrar do engajamento político que resgatei como artista que reclama e briga pelos seus direitos e pela ética profissional do meu ofício e quero lembrar, em especial, do palhaço amigo que, com seu eterno sorriso e aquele ar questionador que tinha, deixou o picadeiro para animar outras platéias. A sua saída de cena não será esquecida, bem que podia ser adiada, mas como sabemos, o nosso picadeiro real é mais triste que alegre e o sorriso de um clown, muitas vezes, escondem suas lágrimas e sofrimentos. (...)

Que as lembranças verdadeiras jamais sejam esquecidas, que os esforços por causas justas sejam sempre reconhecidos, que a arte sempre vença as dificuldades e tristezas e que as amnésias não apaguem as nossas preocupações com a miséria, a mentira e a doença.
E hoje tem espetáculo? Tem sim, senhor! E o palhaço o que é?!
Um ser humano como outro qualquer.
Marcelo Benigno set/2003 SSA

Sistema Coringa

Histórico 

Modelo dramatúrgico criado por Augusto Boal para permitir a montagem de qualquer peça com elencos reduzidos, alterando as tradicionais relações narrativas do gênero dramático, apoiado numa proposta épica e crítica.
Após o golpe militar de 1964, os homens de teatro se vêem numa situação paradoxal: há pouco público e inexistem peças que retratem as profundas mudanças ocorridas na realidade. A primeira experiência de uso do Coringa dá-se em Arena Conta Zumbi, pelo Teatro de Arena, em 1965.
No Rio de Janeiro, Augusto Boal dirige Opinião, no ano anterior, espetáculo que enfeixava as experiências de ex-cepecistas, sobretudo apoiados nos esquemas dramatúrgicos criados pelo "agit-prop". Opinião é uma colagem de fontes diversas: músicas, notícias de jornal, citações de livros, cenas esquemáticas e depoimentos pessoais situando as três realidades em cena, nucleadas em torno de Nara Leão (a classe média intelectualizada), João do Vale (o migrante nordestino) e Zé Kéti (o sambista de morro).
Com essa experiência dramatúrgica na bagagem, Augusto Boal integra o coletivo de artistas que cria Zumbi. Trata-se aqui de colocar em cena um episódio complexo da história brasileira: a luta dos quilombolas de Palmares e sua resistência ao jugo português. Mas o Arena enfrenta dificuldades materiais, desde o pequeno palco e espaço cênico até um elenco reduzido. Escolhido o tema, os locais de ação e as principais personagens - a saga da luta antiescravagista -, a solução cênica encontrada toma o aspecto de um grande seminário dramatizado, com os oito atores representando todas as personagens, revezando-se no desempenho das pequenas cenas focadas sobre os pontos fortes da trama, deixando a um ator coringa a função narrativa de fazer as interligações entre fatos, pessoas e processos, como um professor de história organizando uma aula e dando seu ponto de vista sobre os acontecimentos. O emprego da música ajuda as passagens de cena, acrescentando tons líricos ou exortativos de grande efeito. Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo assinam a realização.
A montagem de Arena Conta Tiradentes, em 1967, aprofunda a experiência e surge explicada teoricamente em "O Sistema Coringa", redigido por Boal. O sistema evolui conceitualmente, desenvolvido para ser aplicado a qualquer texto teatral, permitindo, desse modo, tanto o barateamento da produção quanto a implantação de proposições estéticas, ligadas a um modo épico e dialético de expor a trama.
São empregados quatro procedimentos: a desvinculação ator/personagem (qualquer ator pode representar qualquer personagem, desde que vista a máscara correspondente), perspectiva narrativa unitária (o ponto de vista autoral é assumido ideologicamente pelo grupo que faz a encenação), ecletismo de gênero e estilo (cada cena tem seu estilo próprio - comédia, drama, sátira, revista, melodrama, etc. - independentemente do conjunto, que se transforma numa colagem estética de expressividades), uso da música (elemento de ligação, fusão entre o particular e o geral, introdução do ingrediente lírico ou exortativo no contexto mítico e dramático).
O Coringa é uma personagem onisciente que altera, inverte, recoloca, pede para ser refeita sob outra perspectiva uma cena, sempre que sinta necessidade de alertar a platéia para algo significativo, concentrando a função crítica e distanciada.
Função oposta ocupa o protagonista, o herói. Ele deve ser naturalista, fechado em sua lógica causal e psicológica, sempre representado pelo mesmo ator, destinado a criar e dar corpo à dimensão do particular típico, insuflando a ilusão cênica e materializando a dimensão mítica, uma vez que se destina à identificação e ao fomento da empatia junto ao público.
O conjunto de tais procedimentos é especialmente épico, oriundo de Bertolt Brecht, mas não deixa de abrigar, igualmente, uma tentativa de conciliar o historicismo proposto pelo distanciamento brechtiano com o particular típico, como concebido por Lúkacs, outro teórico marxista que defende um herói mítico e fechado sobre si mesmo.
O sistema é examinado e tem suas propostas rebatidas no livro O Mito e o Herói no Moderno Teatro Brasileiro, por Anatol Rosenfeld. Tomando ponto por ponto os aspectos polêmicos da proposta de Boal, o crítico expõe os limites e contradições que apresenta, concluindo pela impossibilidade de sua aplicação a qualquer peça, como pretendia ser seu objetivo central.
E especificamente sobre Tiradentes, observa: "O herói, embora criticado pelos seus erros e cercado por um aparelho distanciador, é levado inteiramente a sério como herói (...) não chegando a ser suficientemente mito para colher as vantagens estéticas do arquétipo monumental. Mas de outro lado tem do mito a esquematização extrema de modo a não render suficientemente na dimensão da análise histórico-social e da vigência empática. A não ser que nos enganemos, Boal não deseja que se aplique a Tiradentes a sua excelente formulação: 'sempre os heróis de uma classe são os quixotes da classe que a sucede'. O herói, tal como proposto na peça, seria hoje um ser quixotesco, como o Hércules de Dürrenmatt".1
Na base dessas discussões encontram-se questões estéticas e ideológicas muito amplas, que devem ser reportadas às distintas soluções propostas por Bertolt Brecht ou por Lúkacs; ou seja, os modos diversos de se dialetizar artisticamente a perspectiva crítica e histórica.
Após Zumbi e Tiradentes, o coringa volta a ser empregado por Boal em A Lua Muito Pequena e a Caminhada Perigosa, texto integrante da Primeira Feira Paulista de Opinião em 1968 e em Arena Conta Bolivar, criação vitimada pela Censura e apresentada apenas no exterior, em 1970. Ainda que pleno de contradições, é ele utilizado por muitos grupos latino-americanos, ao longo dos anos 1970, que encontram assim um modo de ação política compatível com o fechamento dos regimes políticos do período. Em modo evoluído e diverso, ajuda Augusto Boal a definir e propor, logo a seguir, o Teatro do Oprimido.
Ao longo das décadas seguintes, no Brasil, algumas das técnicas teatrais nascidas ou criadas no sistema coringa acabam por ser empregadas em outros contextos, utilizadas como recursos de linguagem, sem obedecer, todavia, às suas determinações ideológicas. São exemplos: o rodízio de personagens do elenco por meio da substituição de adereços; o amálgama de gêneros diversos numa mesma cena ou peça; o emprego de recursos narrativos mesclados com cenas dramáticas, etc., tornando o Sistema algo assimilado e diluído, mais uma prática do que um modelo, no cotidiano do fazer teatral.
Notas
1. ROSENFELD, Anatol. O mito e o herói no moderno teatro brasileiro. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1996. p. 38.

Gasto social com educação é o que mais eleva o PIB

Segundo estudo do IPEA, que usou como base dados de 2006, cada R$ 1 gasto com educação pública gera R$ 1,85 para o PIB, e o mesmo valor investido na saúde gera R$ 1,70. Foram considerados os gastos públicos assumidos pela União, pelos estados e municípios. Quando se calcula o tipo de gasto social que tem o maior efeito multiplicador na renda das famílias, em primeiro lugar aparece o Bolsa Família. Para cada R$ 1 incluído no programa, a renda das famílias se eleva 2,25%. Gastos sociais fizeram o PIB brasileiro crescer 7% entre 2004 e 2008.
IPEA
Em seu Comunicado nº 75, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revela a importância que os gastos sociais adquiriram no Brasil para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e a redução das desigualdades. Segundo o estudo, que usou como base dados de 2006, cada R$ 1 gasto com educação pública gera R$ 1,85 para o PIB, e o mesmo valor investido na saúde gera R$ 1,70. Foram considerados os gastos públicos assumidos pela União, pelos estados e municípios.

Os chamados gastos sociais fizeram o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro crescer 7% entre os anos de 2004 e 2008, segundo o estudo "Gasto com a Política Social: Alavanca para o Crescimento com Distribuição de Renda" produzido pelo Ipea e divulgado quinta-feira. Durante o período, o PIB do País teve avanço real de 27%, segundo o instituto.

Ao comparar tipos diferentes de gasto social, o Comunicado concluiu que aquele destinado à educação é o que mais contribui para o crescimento do PIB, haja vista a quantidade de atores envolvidos nesse setor e os efeitos da educação sobre setores-chave da economia. “O gasto na educação não gera apenas conhecimento. Gera economia, já que ao pagar salário a professores aumenta-se o consumo, as vendas, os valores adicionados, salários, lucros, juros”, explicou o diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, Jorge Abrahão.

Abrahão apresentou o estudo ao lado de Joana Mostafa, técnica de Planejamento e Pesquisa do Ipea. Por sua vez, quando se calcula o tipo de gasto social que tem o maior efeito multiplicador na renda das famílias, em primeiro lugar aparece o Programa Bolsa Família (PBF). Para cada R$ 1 incluído no programa, a renda das famílias se eleva 2,25%. “A título de comparação, o gasto de R$ 1 com juros sobre a dívida pública gerará apenas R$ 0,71 de PIB e 1,34% de acréscimo na renda das famílias”, acrescenta o Comunicado, intitulado Gastos com política social: alavanca para o crescimento com distribuição de renda.

O texto afirma ainda que 56% dos gastos sociais retornam ao Tesouro na forma de tributos. “O gasto social não é neutro. Ele propicia crescimento com distribuição de renda. Ele foi muito importante para o Brasil superar a crise de 2008. Esse gasto tem uma grande importância como alavanca do desenvolvimento econômico e, logicamente, do bem-estar social”, concluiu Abrahão.

Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial

Thompson, nesse texto, faz uma forte crítica ao processo de desenvolvimento industrial e como esse desenvolvimento é experienciado pela sociedade contemporânea. Coloca o problema da introdução do relógio nas relações de trabalho e como os trabalhadores interagem com esse relógio de interesses, introduzidos para o controle social dos trabalhadores nos primeiros momentos da primeira Revolução Industrial.
Aos poucos, segundo Thompson, os trabalhadores que tinham uma relação temporal com seu ofício e se apropriavam do mesmo para a justificativa de seus dias e horas trabalhadas, teriam que aderir a um novo controle rígido, impulsionado pelas horas de trabalho impostas pelas necessidades gerais, não mais baseadas em seus trabalhos e necessidades individuais.
Ainda explica que essa modificação gera fortes crises e manifestações dos trabalhadores, que resistiram até o século XIX, quando a segunda fase da Revolução Industrial acontece e requer que essa disciplina exigida no trabalho se intensifique na escola, para o enraizamento desses ideais na cultura da população.
Thompson, fala ainda de como os processos de desenvolvimento industrial não se voltam simplesmente para o contexto industrial, mas se mostram na economia, política, organização social, enfim, na cultura em geral. Fala ainda de como esse processo canalizou forças e disciplinou a sociedade moderna ao trabalho fabril, já que os jovens saem prontos para as exigências do mercado de trabalho, a respeitar regras, hierarquias, horários, e se opondo, são punidos como regulamenta as leis.
Repensar o processo de industrialização iniciado ainda no século XVI e suas fases, no faz voltar a própria cultura contemporânea, e nos faz perguntar pelos horários de dormir, e de levantar, de comer e de descansar, não simplesmente para entender, mas para nesse processo de conhecimento, compreendermos e levantarmos para a criação de uma sociedade onde as necessidades comuns não se submetam as necessidades individuais.