sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Acordes historiográficos: uma nova proposta para a teoria da história.


Paul Ricouer: a “consonância dissonante”

Encontros entre Historicismo, Hermenêutica e Fenomenologia.

Ricouer em suas reflexões afirma que a História como um gênero dialético onde se confrontam, interagem vários pólos, como: o mesmo e o outro, presente e passado, explicação e compreensão, objetividade e subjetividade.
Quando se debruça sobre questões historiográficas leva em consideração conceitos de categorias como tempo, narrativa, memória, constituindo tema sutil jogo das lembranças e esquecimentos.
Ricoeur pode ser considerado um pensador múltiplo, pois o seu pensamento teórico incorpora perspectivas variadas como a Fenomenologia, a Hermenêutica e o Historicismo, fazendo a interdisciplina com o Existencialismo Cristão e com abordagens que vão da filosofia reflexiva à filosofia analítica, em momentos diferentes da sua história intelectual.
O termo de “acordes teóricos” seria apenas uma metáfora (termo usado na linguagem musical para definir a junção de notas diferentes) usada para explicar o encontro entre Historicismo, Hermenêutica e Fenomenologia. Num primeiro momento, interagiu com autores ligados ao Existencialismo. Num segundo momento, pendeu-se para Hermenêutica.
Para J. D’Assunção Barros, buscar o acorde geral de
Ricoeur seria impossível, para alguns pensadores, não aqueles que são notadamente monódicos ou cuja trajetória bibliográfica primou por uma perspectiva cumulativa.
Ricoeur manteve diálogo com o existencialismo cristão, ligado ao filósofo Kierkegaard, e dá uma centralidade, que traz uma angústia no seu modo de sentir e pensar, que ele mesmo autodefine como cristão e confere um cromatismo especial ao seu acorde teórico. Por conseguinte, o Paul Ricoeur não é genuinamente um existencialista cristão, porém é inegável a influência por ele recebia dessa forte corrente de pensamento.
O existencialismo traz preocupações diversificadas na maneira de ver para os diversos filósofos que sobre ele pensaram.  Em Keirkegaar, a preocupação central era a relação torturante entre a dúvida e a fé. Em Heidegger, a angústia é trazida pela consciência da finitude, à qual não pode escapar nenhum ser humano. Em Sartre, a angústia está concentrada na escolha de ser ou não livre, porque o homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo. Em Ricoeur não existe uma angústia que seja o centro do seu pensamento, mas há uma consciência trágica sobre a vida, tanto que na sua crítica o existencialismo é uma nota importante no seu acorde teórico.
Outra nota de influência incorporada pelo acorde teórico de Paulo Ricoeur é aquela que o liga à moderna fenomenologia de Edmund Husserl. Esta é uma nota que certamente se modifica ao ser agregada a um acorde como o de Paul Ricoeur, uma vez que a fenomenologia de Husserl passa a ter que conviver com uma historicidade relativista originalmente estranha, o que fez com que o próprio Ricoeur tecesse a sua crítica, quando a fenomenologia perdeu sua intensidade pela sua aproximação com o estruturalismo. Depois a fenomenologia retorna com sua intensidade assumida como uma fenomenologia hermenêutica.
Com isso pode-se dizer que a nota fundamental do acorde teórico de Ricoeur continua a ser o historicismo haja vista revelar profundo conhecimento acerca da pesquisa e da prática historiográfica, que incorporou a objetividade e a subjetividade no ato de fazer historiografia, tendo incorporado posteriormente ao seu circuito de preocupações historiográficas a memória e o esquecimento.
Do jogo estabelecido entre a objetividade e a subjetividade surge a terceira nota do acorde teórico que é a hermenêutica, muito ligada à vertente relativista do historicismo e ao existencialismo.
Como a hermenêutica teve a sua origem ligada à mitologia grega, onde o Deus Hermes fazia chegar aos homens às notícias do Olimpo, ela foi usada para definir o campo do saber, usada por teólogos e filósofos para interpretação de textos bíblicos. Porém, o teólogo Schleiermacher ampliou posteriormente o uso da hermenêutica para a compreensão de outros objetos culturais, que não apenas textos e, também para a compreensão de culturas inteiras.
Dessa forma a hermenêutica passou a ser considerada a terceira nota de especial intensidade no acorde teórico de Ricoeur, aquela nota que relaciona sua filosofia com questões como a interpretação, a alteridade, a compreensão da historicidade.
Assim ele passou a pensar a história, este campo de conhecimento no qual o sujeito-historiador precisa conhecer outras mentes, através das fontes históricas, e a si mesmo, enquanto sujeito que produz o seu conhecimento a partir de um lugar específico e enredado por uma tradição.
Assim como outros pensadores Paul Ricoeur busca estabelecer relação entre sujeito e objeto e de redefinir este ultimo na história. O homem do passado seria não só objeto, mas também sujeitos da história assim como o pesquisador, por se tratar de um sujeito que, em um dado lugar e em uma determinada época histórica foram agentes ativos e contribuidores para o que vem a ser a denominada história. A história seria vista desta maneira em um painel, onde o homem passaria a adquirir consciência de sua existência no tempo, numa dialética entre passado e presente, a experiência “o vivido” e a troca da mesma entre as instâncias presente e passado seria o resultado de maior importância.
Segundo o mesmo autor, em se tratando de construção do conhecimento e pesquisador da história, é necessário levar em consideração a intersubjetividade. Há, no entanto um choque de subjetividade, subjetividade de um outro do passado e subjetividade de um outro do presente (pesquisador). A subjetividade funcionaria como mediação para alcançar o conhecimento objetivo.
Paul Ricoeur busca conciliar questões que para muitos são consideradas inconciliáveis, a relação tempo e narrativa, o resgate do modo narrativo e seu grau de consciência nos discursos historiográficos, as especificidade da narrativa historiográficas frente à narrativa ficcional, etc. E ao historiador cabe uma reflexão do “vivido” e a lógica como instrumento fundamental para a construção do seu trabalho. A história uma narrativa específica, ao discorrer sobre fatos e acontecimentos históricos, fazer análise e representação de circunstâncias a cerca das ações humanas.
Há uma grande estratégia do José D’Assunção Barros, em pensar o Ricoeur, e outros filósofos e historiadores que influenciaram o mesmo, como condensadores de conceitos e teorias que juntas se associam, se distanciam e se aproximam com uma facilidade incrível, flexíveis como notas separadas, mas que compõe “acordes teóricos”. (BARROS, 2011)
O campo do qual os historiadores sem dúvida necessitam, é um espaço onde as possibilidades não se limitem, onde as narrativas, ainda que não se justifiquem que sejam julgadas pelo leitor, assim como pelo espectador das artes cênicas, da música, do artista plástico, o julgador das ciências são seus mais ávidos leitores e críticos. Barros demonstrou durante seus últimos parágrafos a reconciliação que se precisa entre a narrativa e a contra narrativa, assim como o “objetivo” e o “subjetivo”. Relaciona a narrativa como o que há de mais próximo da história, ainda que implícita muitas vezes determinante na fruição e correlações da mesma com o tempo, e seus supostos idealizadores, os historiadores.