Ricouer em suas reflexões, afirma que a História como um gênero dialético
onde se confrontam, interagem vários pólos, como: o mesmo e o outro, presente e
passado, explicação e compreensão, objetividade e subjetividade.
Quando se debruça sobre questões historiográficas leva em consideração
conceitos de categorias como tempo, narrativa, memória, constituindo tema sutil
jogo das lembranças e esquecimentos.
Ricoeur pode ser considerado um pensador múltiplo, pois o seu pensamento
teórico incorpora perspectivas variadas como a Fenomenologia, a Hermenêutica e
o Historicismo, fazendo a interdisciplina com o Existencialismo Cristão e com
abordagens que vão da filosofia reflexiva à filosofia analítica, em momentos
diferentes da sua história intelectual.
O termo de “acordes teóricos” seria apenas uma metáfora (termo usado na
linguagem musical para definir a junção de notas diferentes) usada para
explicar o encontro entre Historicismo, Hermenêutica e Fenomenologia. Num
primeiro momento, interagiu com autores ligados ao Existencialismo. Num segundo
momento, pendeu-se para Hermenêutica.
Para J. D’Assunção Barros, buscar o acorde geral de
Ricoeur seria impossível para alguns pensadores, não aqueles que são
notadamente monódicos ou cuja trajetória bibliográfica primou por uma
perspectiva cumulativa.
Ricoeur manteve diálogo com o existencialismo cristão, ligado ao filósofo
Kierkegaard, e dá uma centralidade, que traz uma angústia no seu modo de sentir
e pensar, que ele mesmo autodefine como cristão e confere um cromatismo
especial ao seu acorde teórico. Por conseguinte, o Paul Ricoeur não é
genuinamente um existencialista cristão, porém é inegável a influência por ele
recebida dessa forte corrente de pensamento.
O existencialismo traz preocupações diversificadas na maneira de ver para
os diversos filósofos que sobre ele pensaram.
Em Keirkegaar, a preocupação central era a relação torturante entre a
dúvida e a fé. Em Heidegger, a angústia é trazida pela consciência da finitude,
à qual não pode escapar nenhum ser humano. Em Sartre, a angústia está
concentrada na escolha de ser ou não livre, porque o homem nada mais é do que
aquilo que ele faz de si mesmo. Em Ricoeur não existe uma angústia que seja o
centro do seu pensamento, mas há uma consciência trágica sobre a vida, tanto
que na sua crítica o existencialismo é uma nota importante no seu acorde
teórico.
Outra nota de influência incorporada pelo acorde teórico de Paulo Ricoeur
é aquela que o liga à moderna fenomenologia de Edmund Husserl. Esta é uma nota
que certamente se modifica ao ser agregada a um acorde como o de Paul Ricoeur,
uma vez que a fenomenologia de Husserl passa a ter que conviver com uma
historicidade relativista originalmente estranha, o que fez com que o próprio
Ricoeur tecesse a sua crítica, quando a fenomenologia perdeu sua intensidade
pela sua aproximação com o estruturalismo. Depois a fenomenologia retorna com
sua intensidade assumida como uma fenomenologia hermenêutica.
Com isso pode-se dizer que a nota fundamental do acorde teórico de
Ricoeur continua a ser o historicismo, haja visto revelar profundo conhecimento
acerca da pesquisa e da prática historiográfica, que incorporou a objetividade
e a subjetividade no ato de fazer historiografia, tendo incorporado
posteriormente ao seu circuito de preocupações historiográficas a memória e o
esquecimento.
Do jogo estabelecido entre a objetividade e a subjetividade surge a
terceira nota do acorde teórico que é a hermenêutica, muito ligada à vertente
relativista do historicismo e ao existencialismo.
Como a hermenêutica teve a sua origem ligada à mitologia grega, onde o
Deus Hermes fazia chegar aos homens às notícias do Olimpo, ela foi usada para
definir o campo do saber, usada por teólogos e filósofos para interpretação de
textos bíblicos. Porém, o teólogo Schleiermacher ampliou posteriormente o uso
da hermenêutica para a compreensão de outros objetos culturais, que não apenas
textos e, também para a compreensão de culturas inteiras.
Dessa forma a hermenêutica passou a ser considerada a terceira nota de
especial intensidade no acorde teórico de Ricoeur, aquela nota que relaciona
sua filosofia com questões como a interpretação, a alteridade, a compreensão da
historicidade.
Assim ele passou a pensar a história, este campo de conhecimento no qual
o sujeito-historiador precisa conhecer outras mentes, através das fontes
históricas, e a si mesmo, enquanto sujeito que produz o seu conhecimento a
partir de um lugar específico e enredado por uma tradição.
Assim como outros pensadores Paul Ricoeur busca estabelecer relação entre
sujeito e objeto e de redefinir este ultimo na história. O homem do passado
seria não só objeto, mas também sujeitos da história, assim como o pesquisador,
por se tratar de um sujeito que, em um dado lugar e em uma determinada época, foram agentes ativos e contribuidores para a História. A História seria vista desta maneira em um painel, onde o
homem passaria a adquirir consciência de sua existência no tempo, numa
dialética entre passado e presente, a experiência “o vivido” e a troca da mesma
entre as instâncias presente e passado seria o resultado de maior importância.
Segundo o mesmo autor, em se tratando de construção do conhecimento e
pesquisador da história, é necessário levar em consideração a
intersubjetividade. Há, no entanto um choque de subjetividade, subjetividade de
um outro do passado e subjetividade
de um outro do presente (pesquisador). A subjetividade funcionaria como
mediação para alcançar o conhecimento objetivo.
Paul Ricoeur busca conciliar questões que para muitos são consideradas
inconciliáveis, a relação tempo e narrativa, o resgate do modo narrativo e seu
grau de consciência nos discursos historiográficos, as especificidade da
narrativa historiográficas frente à narrativa ficcional, etc. E ao historiador
cabe uma reflexão do “vivido” e a lógica como instrumento fundamental para a
construção do seu trabalho. A história uma narrativa específica, ao discorrer
sobre fatos e acontecimentos históricos, fazer análise e representação de
circunstâncias a cerca das ações humanas.
Há uma grande estratégia do José D’Assunção Barros, em pensar o Ricoeur,
e outros filósofos e historiadores que influenciaram o mesmo, como
condensadores de conceitos e teorias que juntas se associam, se distanciam e se
aproximam com uma facilidade incrível, flexíveis como notas separadas, mas que
compõe “acordes teóricos”. (BARROS, 2011)
O campo do qual os historiadores sem dúvida necessitam, é um espaço onde
as possibilidades não se limitem, onde as narrativas, ainda que não se justifiquem
que sejam julgadas pelo leitor, assim como pelo espectador das artes cênicas,
da música, do artista plástico, o julgador das ciências são seus mais ávidos
leitores e críticos. Barros demonstrou durante seus últimos parágrafos a
reconciliação que se precisa entre a narrativa e a contra narrativa, assim como
o “objetivo” e o “subjetivo”. Relaciona a narrativa como o que há de mais
próximo da História, ainda que implícita, muitas vezes é determinante na fruição e
correlações da mesma com o tempo, e seus supostos idealizadores, os
historiadores.
Referências bibliográficas
BARROS, José D’Assunção. Teoria da
História: Acordes Historiográficos. Petrópolis: Vozes, 2011.